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sábado, 7 de janeiro de 2012

Prólogo.

Esse blog pretende ser um espaço para elaboração de algumas reflexões de esquerda e "de baixo". Centrado principalmente em história e política, a iniciativa de pôr a cabeça no mundo por aqui é fruto de inquietações com a atual conjuntura brasileira e mundial. 

Os temas candentes de nosso tempo - todos - são de interesse e, conforme as coisas forem se processando por aqui, pretendo dar meus palpites acerca daqueles assuntos que o desassossego e minha formação tornarem mais oportuno e urgente.

Algumas palavras sobre o título deste blog.

O "anacronismo deliberado" como "método plebeu" se inspira no estupendo conto de Jorge Luis Borges, "Pierre Menard, autor do Quixote". Nele, Borges narra a obra heroica de Pierre Menard, romancista que se empenha fervorosamente em escrever o Quixote - não uma nova versão, mas a própria obra, mergulhando subjetivamente, num primeiro momento, no contexto da escritura das aventuras do engenhoso fidalgo. Seu objetivo é ser Miguel de Cervantes. Convencido, porém, ser este o método menos interessante para uma tarefa impossível, Menard opta por enveredar por caminho ainda mais árduo: chegar ao Quixote através das experiências dele mesmo, Pierre Menard.

Para o simbolista de Nîmes, a obra de Cervantes é um livro contingente ("o Quixote é inecessário", escreve Menard através de Borges). Assim, se no início do século XVII a composição do Quixote era "uma empresa razoável", na altura em que a personagem do escritor francês empreende seu ato de heroísmo literário "é quase impossível", não se podendo fazer abstração de "trezentos anos, carregados de complexíssimos fatos", dentre os quais a própria obra do autor castelhano!

Borges dá a conhecer a partir daí as interpretações que se extraem das versões da obra cervantina e da sua reescritura moderna pela pena de Menard. As contextualizações diversas fazem aflorar impressões que se modificam entre as versões, ressaltando o inexorável rolo compressor da História, que, no seu movimento, sedimenta os acontecimentos, reduzindo mesmo os mais gloriosos feitos da humanidade a pequenos pontos tão mais imperceptíveis quanto maior é o tempo decorrido entre a sua efetivação e o presente.

Para Borges, Menard enriqueceu a arte da leitura com uma "técnica nova", a técnica do "anacronismo deliberado", que, de implicação infinita, "povoa de aventura os mais plácidos livros". A (re)leitura do passado parece ao autor argentino reproduzir, de forma irresistível, os condicionamentos do tempo vivido. E é aqui que nosso título encontra sua justificativa e explicação.

Tendo por alguns (poucos) anos nos aventurado nos caminhos da pesquisa e do estudo desta que, segundo Marx e Engels, n'A ideologia alemã, classificam como sendo a única ciência (re)conhecida por eles, "a ciência da história", pareceu-nos imperar nela uma preocupação contumaz com o "pecado" do anacronismo, sem que - mesmo ante a impossibilidade reconhecida de evitá-lo in totum - saídas deste impasse fossem pensadas, digamos, de dentro e por isso mesmo, para tanto, fomos buscar inspiração noutros universos.

Nossa proposta, aqui, é que o anacronismo seja, como propôs a personagem Menard de Borges, deliberado e que a nossa tentativa de leitura da história incorpore a força que o passado impõe às circunstâncias presentes. Deliberar pelo anacronismo da leitura é a tentativa de nos colocarmos na perspectiva daqueles que não veem o presente como sucessão de acontecimentos lineares que rumam, triunfantes, para o futuro e para o progresso. Se o desejo de todo historiador seria o de "demorar-se, acordar os mortos e recompor o despedaçado", ele, como o anjo de Klee, evocado por Walter Benjamin, sabe que "a tempestade arrasta-o irresistivelmente para o futuro", empilhando ruína em seu encalço e não pode, de maneira alguma, deixar de se revoltar contra o presente, única instância onde pode atuar efetivamente ao reconstruir o passado, projetando o futuro.

Cabe, então, o abandono da meta que, por variados meios e formas, restou até hoje no discurso histórico, de que o passado deve ser conhecido "como de fato aconteceu" (que da ilusão positivista, por várias mediações, continua permeando os discursos funcionais da historiografia). Em lugar disso arrogamo-nos a tarefa de, seguindo a VI tese de Benjamin, apropriarmo-nos da "reminiscência, tal como ela relampeja no momento de um perigo (...)", fazendo proveito justo do "dom de despertar no passado as centelhas da esperança (...) convencido de que também os mortos não estarão em segurança se o inimigo vencer", o quê não tem parado de acontecer, muito ao contrário.

Armados com essa técnica, a esperança é de que possamos pôr em prática um método (caminho) "plebeu" (de baixo), que fundado no horror com que percebemos a situação presente, nos torne capazes de empreender a tarefa do historiador materialista.

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